segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Natasha

Quando Ana chegou em casa o dia estava quase amanhecendo. Havia sido uma noite muito difícil. Maquilagem borrada, cheiro de suor, cabelo despenteado, um olho roxo e alguns hematomas na coxa.

Morava num pequeno apartamento de dois quartos. Três andares. Morava no segundo. Subiu as escadas, rodou a chave silenciosamente, abriu a porta e entrou com seus passos leves no apartamento. Não queria fazer barulho. Notou o pequeno e franzino Guilherme, em seus 6 anos de idade, dormindo no sofá em frente à minúscula televisão. Sentiu certa pena do coitado, deveria ter dormido muito tarde esperando a mãe voltar. Deixaria o coitado faltar aula naquele dia.

Foi ao banheiro, trancou a porta e acendeu a luz. Lavou o rosto e observou no espelho a maquilagem desmanchar-se no rosto em direção à pia. Era bonita. Se não fossem os golpes da vida, seria linda. Mais um dia de trabalho. O olho roxo ficaria pior quando acordasse, problema com cliente. Jogou o chiclete fora, sentou-se no vaso sanitário e urinou. Não agüentava mais aquela vida.

Quando entrou no box do banheiro, deixou a água escorrer por todo o seu corpo. Não estava ferida apenas fisicamente, mas emocionalmente. Demorava no banho, como se estivesse lavando toda a sua vida, uma borracha no passado e em todas as besteiras que fez.

Aos 17 anos tudo o que queria era aproveitar a vida ao máximo. Já estava para completar 30. Estava colhendo tudo aquilo que havia plantado. Todos os seus passos não pensados a levaram exatamente onde estava. Enquanto o mundo acabava ela simplesmente dançava.

Quando Guilherme nasceu ela não sabia quem era o pai. Mas precisaria criar seu filho.

Seu corpo, como uma mercadoria usada, já não valia tanto quanto antigamente. O prazer gerou o vício, o vício gerou um fruto, tudo então virou dor. Mas amava seu filho acima de tudo. Estava viva apenas por causa dele. Lamentava isso.

Ana Paula queria morrer, sair daquela vida, entregar-se de vez. Desistir. Era seu desejo, se morresse estaria satisfeita. Mas não podia. Não enquanto tivesse um filho para cuidar.

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