quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Dejà vu

A madrugada estava silenciosa, talvez até demais para uma época tão conturbada. Perambulando pelas ruas, ouviu um grito rompendo as trevas. Era um grito feminino. Um grito próximo. Vinha de duas quadras adiantes, talvez três. Correu.

Ainda era jovem, possuía o antigo fôlego. Quando dobrou a terceira esquina, num beco sem saída, viu o vermelho pintando a parede suja. O vermelho num tom conhecido, que deixa o ar com cheiro de vida se esvaindo. Havia uma mulher negra e corpulenta caída, como uma boneca de pano esquecida numa caixa de brinquedos. Aproximou-se, checou o pulso. Não poderia fazer nada por ela.

Então ouviu um som vindo de outro cômodo. Cômodo? Sim, era só uma lembrança de outrora reaparecendo em sonho.

Olhou o relógio do lado de sua cama, o ponteiro já marcava quatro da manhã. Levantou-se, vestiu seu robe. Foi até uma estante de livros e moveu um exemplar de O Conde de Monte Cristo. A estante deslizou para o lado, abrindo passagem para uma escada mal iluminada. Desceu até a caverna.

- Patrão Bruce? - disse.

- Estou aqui, Alfred.

Observou a expressão de um rosto sem máscara. Uma expressão já conhecida. Uma expressão de culpa. A mesma expressão que estava em seu rosto quando não pôde ajudar a negra corpulenta.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Alívio

A lágrima rolava pela superfície de seu rosto pálido, encontrando a barba mal feita, diminuindo de tamanho até transformar-se numa gota salgada de encontro ao chão branco e limpo do hospital.

Sentado em seu leito, os bipes uniformes da aparelhagem se tornaram uma nota única e contínua. À sua frente, na poltrona, estava um tipo curioso. Vestia um terno elegante, pernas cruzadas e sua atenção para o jornal do dia.

- Até que enfim, eu já não agüentava mais esperar por você - disse, num tom de desdém, o homem de terno.

Antes de abaixar o jornal, colocou seus óculos escuros. Possuía um rosto normal, desses que cruzamos diariamente no ônibus ou no supermercado. Um nariz, duas orelhas, uma boca e um par de óculos escuros. Simples assim.

O outro homem, aquele que derramou a lágrima, se levantou, sentindo o piso gelado nos pés nus. Olhou para o leito e, ainda calmo, observou por alguns instantes a si mesmo deitado.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

No silêncio da madrugada

Meus pés estão cansados, o tênis aperta. Sinto certa dificuldade para respirar e a cada passo que dou parece que mais longe fico. A rua está deserta, sem carros. Pouca iluminação, um dos raros momentos de silêncio na cidade.

Agradeço aos céus quando vejo a portaria do meu prédio. Pego o elevador, encaro meu reflexo no espelho e me pergunto onde diabos estou me metendo. Entro em casa silenciosamente para não acordar ninguém.

Fecho a porta do meu quarto e abro a cortina, acho o leste. Como na música, o Sol estava desvirginando a madrugada e eu acabava por sentir a dor daquela manhã. Tiro os tênis, meus pés estão inchados. Coloco a primeira bermuda que vejo e vou até a cozinha tomar um copo de leite.

Quando finalmente deito na cama, alguns pássaros rompem o silêncio da madrugada. Em seguida, o som dos primeiros carros.

Ao encarar o teto do meu quarto, recordando a noite que tive, percebo que perdi mais um dia de vida na minha egoísta e burra procura por prazer.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Taxímetro: O Carioca

Já passava da meia-noite e eu não havia tido quase nenhum passageiro durante o dia todo. Como era domingo, eu ficava no meu ponto: a praia. À noite, na praia, vê-se um pouco de tudo. Gente de todo tipo fazendo todo tipo de coisa. Mas naquela noite São Pedro resolveu aprontar comigo, e caía uma puta chuva.

Eu já tava com meu nariz entupido e só piorou. Quando fui rodar a chave pra acionar a ignição e me mandar pra casa, entra um tipo estranho no carro com uma "mulher" que trabalha na noite. O filha da puta bateu a porta do meu táxi com força, a vontade foi de mandá-lo tomar no cu. Imbecil folgado, nem pra avisar que tava entrando no carro.

Com meu nariz entupido, cheio de catarro, a vontade era puxar tudo e dar aquela escarrada, mas não era o tipo de coisa que se faz na frente do passageiro.

- E aí, patrão, vai pra onde?

Ao perguntar, pensei que seria um bom momento de me reconciliar a Deus e rezei para que fosse um lugar perto, mas Ele devia estar realmente puto comigo, pois o passageiro, num irritande sotaque chiado de carioca, indicou um endereço do outro lado da cidade, na porra de uma favela.

- Podexá... - eu disse, engolindo minha raiva.

O ar-condicionado do carro deixava meu nariz ainda mais entupido, mas não tanto quanto o ódio pelo carioca viado.

- Olha aí, taxista - dizia o carioca, botando a mão na coxa da "mulher" -, lá só tinha traveco, essa aqui era a última mulher... É ou não é uma gostosa?

Olhei pelo espelho retrovisor. Me perguntei como o carioca conseguiria trepar cheirado do jeito que ele provavelmente estava. Ele devia estar tão louco que nem havia percebido que a "mulher" que ele tinha pegado não era tão mulher assim. Não provoquei, turistas, ainda mais os imbecis, dão boas gorjetas.

- Se você tá dizendo, chefe, é porque deve ser.

Carícias e beijos eram trocados no banco de trás do meu táxi. Não falei nada, mas se partissem para algo mais indecente eu corresponderia na violência. Foi aí que vi, pelo retrovisor, algo brilhando na cintura do carioca. O filha da puta tava armado. Deus devia mesmo estar muito puto comigo.

Tinha dado R$43,74 no taxímetro quando cheguei na entrada da favela. E ali eu não era bem-vindo. Outra história que depois eu conto. O carioca desceu sem pagar, e eu com o cu que não passava um fio de cabelo. Se eu cobrasse ele metia bala em mim, se eu não cobrasse seria muita desmoralização. Aí o cara botou a cabeça na janela e disse:

- Taxista, segura aí e deixa o taxímetro rodando, me espera que em 20 minutinhos tô de volta. Não sai daí!

Não respondi, ele deu as costas e entrou na favela. Subi os vidros, rezando para que ninguém dali me reconhecesse. Foi aí que ouvi aquele barulho fazendo eco, o velho barulho de uma .38 sendo disparada. Liguei o carro, eu não ficaria ali mais nem um minuto. Engatei a ré, quando vi o carioca correndo em direção ao meu táxi. Ele parecia realmente puto, entrou no carro antes que eu pudesse ter reação e bateu com força a porta.

- Bora taxista, se manda daqui, se manda daqui!!!

Acelerei e me mandei pela rua, quebrei na avenida cantando pneu e saindo em disparada, cagando para os foto-sensores.

- Que merda foi essa, porra!? -perguntei, gritando e nervoso.

- Aquela... aquele... aquilo não era mulher! Porra, aquilo tinha um pau do tamanho de um elefante! Era um traveco! E nem pra avisar, caralho!!

Me calei, engolindo a raiva e o nervosismo. Tentei esfriar. A porra do carioca tinha passado o traveco, para passar o taxista não custaria nada. Foi aí que a porra toda ficou mais confusa. Ele tirou do bolso uma carteira com distintivo da Polícia Federal. Tirou uma balinha de pó e um cartão, preparou uma carreira na carteira e cheirou.

- Eu te levo pra onde, chefe? - perguntei.

E o filho da puta não respondeu, me deixando na merda. Como ele tinha sentado no banco de passageiro da frente, não tinha nem como eu tirar meu canhão do porta-luvas. O melhor era não fazer nada, só dirigir para longe da favela.

- Pára aqui, taxista - disse ele, uns cinco minutos depois.

Enconstei o carro e o carioca desceu. Estava em frente a uma boate, dessas que só barão freqüenta. Fiquei observando, sem nada fazer. Ele sacava a arma e a carteira de identificação de policial. Mostrava para um casal. O rapaz até fez menção de fugir, mas mudou de idéia ao ter a arma apontada para si. O filha da puta do policial revistou o rapaz e achou pó com ele. Deu-lhe um golpe com o cabo da arma que desmaiou. Para completar, arrastava a jovem para dentro do meu táxi. Ela era loirinha, linda.

Com o namorado desmaiado com o nariz quebrado no chão, a garota chorava ao ter seus cabelos puxados. Dessa vez o carioca entrou pelo banco de trás arrastando a menina. Me mandou ir para um motel que era conhecido na cidade. Lá acontecia coisas que nem o mais pervertido lunático conseguiria imaginar.

Atravessei mais uma vez a cidade, não havia trânsito, cheguei rapidamente sem problemas. Por fora, podia-se ver apenas o que parecia um armazém abandonado. O carioca desceu, dessa vez falou que eu podia ir e ainda me deixou cinco notas de R$100 novinhas. Vi-o descer arrastando a garota, batendo na porta do armazém e entrando. Quando a porta se fechou, passei a primeira e saí dali.

Passei por uns 5 quarteirões, no sexto encostei o carro. Sempre fiz merda por culpa da minha consciência, e aquele parecia ser mais um daqueles momentos que temos a mais absoluta certeza que nos arrependeremos pela possibilidade de dar merda. Desliguei meu táxi, abri o porta-luvas e tirei a minha tímida .32 e a coloquei presa no meu cinto. Saí do carro, fui até o porta-malas e tirei um punhal, um casaco e uma camisa. Amarrei a camisa no rosto e guardei o punhal no outro bolso da minha calça.

Caminhei os malditos seis quarteirões até chegar no armazém. Dei uma batida e um negão vestido só com uma calça de couro abriu a porta. Parecia ser a única pessoa a fazer a segurança dali, lhe apliquei um belo chute no joelho que ele não teve reação. Acertei bem em cheio, a junta do joelho dele voltou. Fratura com osso exposto. Ficou lá, agonizando no chão. E mais ninguém apareceu.

O local era sinistro pra caralho, tinha um grande corredor com vários quartos. Não tinha portas, era tudo muito escuro. Chicotes acariciando peles, gritos de dor e outros gritos xingando. Gente com máscara de couro e piroca de borracha enfiada na bunda. Era o canto mais sinistro que eu podia passar a minha vida sem entrar. Ninguém ligava para a minha presença ali, só ligavam em continuar suas coisas pervertidas.

Como não havia portas, logo foi fácil achar o carioca. Ele tinha amarrado a loirinha na cama, ela estava desmaiada com um pedaço de vassoura enfiado nela. Mas ela parecia respirar. O carioca estava de costas, só percebeu minha presença quando lhe toquei o ombro. O peguei no susto, foi fácil acertar um direto que quebrou o nariz dele e o fez dar uns passos para trás. antes que ele sacasse sua arma, saquei a minha: três tiros no saco dele. Ele caiu. Acertei mais dois tiros, um em cada mão. Agora o carioca, que se achava tão esperto, apenas gritava e xingava, como tantos outros ali.

Eu tava com pena da garota. Ela não deveria ter mais que 17 anos e passava por aquilo. Fiquei ainda mais puto com o viado capado do carioca. Tirei meu punhal e cortei as cordas que a prendiam na cama, tirei o cabo da vassoura que estava enfiado nela e a botei no ombro, levando-a pela rua deserta até o meu táxi. A coloquei no banco de trás e acelerei para chegar ao hospital. Deixei-a na recepção da emergência, não respondi a pergunta alguma e me mandei dali.

E a porra do meu nariz continuava entupido.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Medo

Durmo. Sonho contigo e acordo com a realidade. A solidão que me acompanha na minha jornada em busca pela infelicidade não facultativa.

Ao me aproximar, prendo a respiração. Minha boca fica seca e muda, muda pelo medo que não se mede, mas pelo medo de mudar o meu mundo, a minha dor. Medo do futuro e medo que o futuro chegue.

Medo. O pior medo que se tem. Não é o medo do escuro nem o medo de monstros debaixo da cama, é o medo de ficar eternamente no escuro com o monstro do arrependimento, sem ninguém em minha cama. O medo de te beijar e o medo de não te beijar, juntos pelo medo de te perder.

Medo. O medo do vício de amores comprados para abafar meu lamento abafado em seios desnudos e baratos.

Medo. O medo do fim da noite, quando se tem que dormir e encarar o teto do meu quarto. O medo de lembranças e de arrependimentos, coisas que fiz e que deixei de fazer. O medo de me arrepender de novo. O medo de decepcionar. O medo de ser decepcionado. O medo de viver sem prazer. O medo de viver sem te ter. O medo de viver sem viver.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Velho amigo desconhecido.

Dizem que amigos são aqueles que estão por perto quando você precisa, que depois da farra te agüentam e te consolam. Neste caso, a melhor amiga de Renato deveria ser a privada daquela merda de boteco. Por vezes terminava lá, vomitando o uísque barato e o que restava de sua tão frágil dignidade.

Levantava com esforço e olhava-se no espelho. Tinha nojo do próprio reflexo, nojo da vida que levava. E pensar que um dia sonhou conhecer as belas praias do sul da França, "de l'Hexagone". Um sonho que se desfez tão rápido como gelo em água fervente.

Expulso do bar, sentia-se expulso de casa. Um menor abandonado com fome. Ou melhor, com sede de uísque barato diluído na água.

Só, no meio da noite, perambulando pela rua deserta, acendia seu Hollywood com um isqueiro Bic. Dava uma bela tragada e soltava a fumaça pelas narinas. Levou um puta susto quando um carro em alta velocidade passou.

Passava a mão no rosto, seu tato não estava tão apurado. O álcool ainda tinha seu efeito. E talvez por isso avistava um vulto ao longe. E conforme caminhava, conforme se aproximava, o vulto debaixo de uma luz com mal contato começava a ganhar forma. Um homem alto, cabelos pretos, óculos escuros - quem diabos usa óculos escuros no meio da noite? -, terno preto, gravata com estampa de borboletas, gel no cabelo e com fones de iPod nos ouvidos estava sorrir para Renato.

- Eaê, camarada, tudo na paz? - disse o homem.

- Desculpe, mas quem é você? - indagou Renato.

- Sou um velho amigo que você esperava há algum tempo.

O homem de terno pôs o braço sobre os ombros de Renato, dando dois tapinhas amigáveis e caminhando junto com ele.

Ao olhar para trás, Renato via algumas pessoas se aglomerando. Pensava que a rua estava deserta, mas alguns moradores de casas e clientes de alguns bares estavam acordados. De repente, uma luz vermelha e o som de sirene de ambulância.

- Acho que aconteceu alguma coisa... - comentou Renato.

- Deixe, não foi nada demais. Só um bêbado que foi atropelado. Acidentes de trânsito são cada vez mais comuns.

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Texto com um personagem meio antigo que raramente uso, não faz muito meu estilo mas é gostoso de escrever sobre ele. Para entender melhor, clique aqui.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A vida é assim, meu cumpade

Agora sem ficção, sem texto querendo falar algo nas entrelinhas, apenas o papo reto.

Pode-se dizer que já passei por muitas coisas nessa vida, mesmo com apenas 18 anos de idade. Muita merda que fede pra caralho. Porque você só sabe que a merda fede quando se aproxima dela.

A vida não é colorida, com falso romantismo nem "felizes para sempre". A vida é uma onda repleta de emoções, sensações, sentimentos, que de repente te dá um caldo e você não sabe onde vai parar. E ela é curta. Curta até demais, e começa a acabar no nascimento.

Tem que ter sangue no olho, não pode vacilar. Porque na vida real não tem santo, não tem papai do céu que ajude na hora que o bicho pega. É cada um por si. Tem os parceiros, os irmãos. São raros, mas quando aparecem, são os únicos em que podemos confiar. Que podem nos salvar. Conheço uns dois ou três assim.

Chega uma hora na vida que a gente sabe como a máquina funciona, que a gente vê, sente e faz coisas que acabam quebrando essas muralhas que o falso moralismo da sociedade nos impõe.

A gente só aprende com as cagadas que deixamos pelo caminho. Mas você tem que tá ligado e sair de cena antes que a bosta toda bata no ventilador.

Só não te abro os olhos pra essa vida porque eu já fechei os meus há muito tempo.