Sábado de aleluia no calendário cristão.
A fome o deixara magro, a arma no bolso do velho e desbotado blusão de moleton parecia bem mais pesada com as seis balas, havia conseguido com um primo que estava metido no tráfico. Sentia-se trêmulo por dentro, por fora parecia disposto a fazer qualquer coisa para conseguir o que queria. Seu alvo era um supermercado.
Passou pela entrada e foi a uma prateleira qualquer, fingindo estar olhando alguns produtos. Sua cara de poucos amigos e a aparência de pobre chamava a atenção dos seguranças, que se comunicavam pelo rádio para ter uma atenção especial naquela figura.
Pegou uma sesta e começou a jogar produtos aleatórios nela. Ao passar por um corredor, olhou para cima. Um enorme ovo de chocolate embrulhado num papel dourado, feito de vários tipos de cacau e com trufas de licores dentro. Parecia a coisa mais incrível que já havia visto. Pegou-o com enorme cuidado, como quem tem nos braços pela primeira vez o filho recém nascido. Colocou-o sorrateiramente dentro do blusão de moleton e se dirigiu ao caixa. Uma senhora terminava de passar algumas compras e já estava pagando.
Seguranças, que já sabiam do furto que iria ser cometido, posicionavam-se estrategicamente na entrada. A senhora saiu. "Próximo", anunciava o caixa.
Saiu em disparada, sacando uma arma e dando dois tiros num segurança que logo dava passagem livre. Conseguiu sair do supermercado, agora a policia iria lhe seguir. Montou sua moto que pegou de primeira (agradeceu a Deus por isso). Sua moto 125 cilindradas se mostrou fiel ao cortar o trânsito sem bater o motor, nunca tinha ido tão rápido.
Cerca de dois minutos e três viaturas da polícia militar perseguiam a moto, que virou à esquerda, entrando num campo de uma comunidade pobre. Era ali onde morava, numa favela no centro do bairro nobre da cidade. Os policiais atiraram algumas vezes, nenhum tiro o acertou. Deveria largar aquela moto depressa. Entrou num beco estreito, as viaturas não passariam por ali. Na saída do beco caiu, levantou-se e logo estava correndo a pé. Os policiais, que também haviam abandonado as viaturas, estavam em seus calcanhares.
O nome do nosso perseguido era José. Um bom homem que jamais havia se rendido à vida criminosa antes, mas o desemprego e a vida sub-humana o fizeram cair na tentação.
José se preocupava com o ovo de chocolate no bolso do blusão, era tudo o que importava. Um tiro cortou o ar e o acertou de raspão no ombro. Caiu à porta de casa, aos pés de seu filho de cinco anos, que havia visto na televisão um comercial de ovos de páscoa e se encantado. José não tinha mais dinheiro nem para o arroz do almoço. Sentiu um enorme prazer de missão cumprida ao ver o rosto do filho encher-se de alegria ao receber aquele ovo de chocolate em mãos. José agora poderia morrer feliz.
Mais sons de tiros cortando o ar. Não importava, havia cumprido sua missão. O sangue lavava a calçada. Pronto? Já estava morto?
E José abriu os olhos. Não sentia suas pernas, apenas sentiu o que um pai deve sentir ao se deparar com o filho morto com um ovo de páscoa destruído e banhado de sangue em mãos.
Sem final feliz; sem ressurreição.
Apenas um Feliz Páscoa.