quarta-feira, 24 de março de 2010

Feliz Páscoa.

Deu uma bela tragada no cigarro barato, soltando-o pelas narinas e aproveitando cada momento de prazer oferecido por aquela nicotina.

Sábado de aleluia no calendário cristão.

A fome o deixara magro, a arma no bolso do velho e desbotado blusão de moleton parecia bem mais pesada com as seis balas, havia conseguido com um primo que estava metido no tráfico. Sentia-se trêmulo por dentro, por fora parecia disposto a fazer qualquer coisa para conseguir o que queria. Seu alvo era um supermercado.

Passou pela entrada e foi a uma prateleira qualquer, fingindo estar olhando alguns produtos. Sua cara de poucos amigos e a aparência de pobre chamava a atenção dos seguranças, que se comunicavam pelo rádio para ter uma atenção especial naquela figura.

Pegou uma sesta e começou a jogar produtos aleatórios nela. Ao passar por um corredor, olhou para cima. Um enorme ovo de chocolate embrulhado num papel dourado, feito de vários tipos de cacau e com trufas de licores dentro. Parecia a coisa mais incrível que já havia visto. Pegou-o com enorme cuidado, como quem tem nos braços pela primeira vez o filho recém nascido. Colocou-o sorrateiramente dentro do blusão de moleton e se dirigiu ao caixa. Uma senhora terminava de passar algumas compras e já estava pagando.

Seguranças, que já sabiam do furto que iria ser cometido, posicionavam-se estrategicamente na entrada. A senhora saiu. "Próximo", anunciava o caixa.

Saiu em disparada, sacando uma arma e dando dois tiros num segurança que logo dava passagem livre. Conseguiu sair do supermercado, agora a policia iria lhe seguir. Montou sua moto que pegou de primeira (agradeceu a Deus por isso). Sua moto 125 cilindradas se mostrou fiel ao cortar o trânsito sem bater o motor, nunca tinha ido tão rápido.

Cerca de dois minutos e três viaturas da polícia militar perseguiam a moto, que virou à esquerda, entrando num campo de uma comunidade pobre. Era ali onde morava, numa favela no centro do bairro nobre da cidade. Os policiais atiraram algumas vezes, nenhum tiro o acertou. Deveria largar aquela moto depressa. Entrou num beco estreito, as viaturas não passariam por ali. Na saída do beco caiu, levantou-se e logo estava correndo a pé. Os policiais, que também haviam abandonado as viaturas, estavam em seus calcanhares.

O nome do nosso perseguido era José. Um bom homem que jamais havia se rendido à vida criminosa antes, mas o desemprego e a vida sub-humana o fizeram cair na tentação.

José se preocupava com o ovo de chocolate no bolso do blusão, era tudo o que importava. Um tiro cortou o ar e o acertou de raspão no ombro. Caiu à porta de casa, aos pés de seu filho de cinco anos, que havia visto na televisão um comercial de ovos de páscoa e se encantado. José não tinha mais dinheiro nem para o arroz do almoço. Sentiu um enorme prazer de missão cumprida ao ver o rosto do filho encher-se de alegria ao receber aquele ovo de chocolate em mãos. José agora poderia morrer feliz.

Mais sons de tiros cortando o ar. Não importava, havia cumprido sua missão. O sangue lavava a calçada. Pronto? Já estava morto?

E José abriu os olhos. Não sentia suas pernas, apenas sentiu o que um pai deve sentir ao se deparar com o filho morto com um ovo de páscoa destruído e banhado de sangue em mãos.

Sem final feliz; sem ressurreição.

Apenas um Feliz Páscoa.

6 comentários:

Lunaticools disse...

Muito bom...
Certos ladrões são mais honestos que muito trabalhadores - é preciso interpretar situações.

abç
Lunaticools

Caio Coletti disse...

É uma visão muito comovente e oportuna a sua, mostrando, como disse o comentário de cima, que muitos ladrões são mais honestos do que trabalhadores. Afinal, somos maus por natureza ou o meio que nos corrompe? É a pergunta fundamental, não é?

Abraço, excelente blog! :D

Betty Gaeta disse...

O que vc acha que seria certo José fazer? Roubar e ser morto? Ou explicar para o filho que na vida não se pode ter tudo o que deseja? Como o filho dele vai agir amanhã com um exemplo destes? Vai trabalhar para conseguir tudo o que quer, ou vai arrumar um jeitinho de conseguir o que quer com violência? Sim, furto a mão armada é uma violência...

Lenivaldo Silva disse...

Cara,vou ser sincero contigo...
Ao meu ver pra conseguir um ovo de páscoa existe outra forma além de roubar...Mas não duivido que histórias como essa possam ocorrer.
Enfim,achei seu blog muito triste..Um pai que rouba,uma crinaça que morre,outra que é extulprada...
Sei lá...Pra mim não rola não...

[desculpe a sinceridade,mas voc~e como futuro jornalista deve ser maduro suficiente pra entender que cada pessoa pensa de um jeito,e é isso que caracteriza cada um...]

Tatynha Martins disse...

Seu blogg é bem criativoo *----*

Pedro Sombra disse...

Aos comentários, fico muito agradecido! Principalmente pelo comentário do Lenivaldo. Acontece que não quero mostrar o lado feliz da vida em que a empregada é super bem tratada pela patroa na novela das oito, apenas deixar minha criatividade rolar solta, nunca fui tão fã assim de finais felizes.